Catástrofes ambientais, Estado e governança no RS
Por Rafael Fernandes, diretor colegiado do SEMAPI
As catástrofes ambientais que devastam o RS não têm precedentes. Também são sem precedentes os desmontes e retrocessos protagonizados pelos últimos governos gaúchos na gestão ambiental. Vivenciamos, desde 2016, o início do processo de extinção de seis Fundações Públicas, dentre as quais ao menos três delas – Cientec, FZB e Metroplan – com interface direta em questões ambientais, desenvolvimento de ciência e tecnologia e capacidade de planejamento e articulação de políticas públicas. O processo de extinção, iniciado na gestão Sartori, foi sacramentado pelo governo Leite em seu primeiro mandato.
Ainda neste primeiro mandato, em 2019, a gestão Leite concretizou, junto a sua base de apoio na Assembleia Legislativa, substanciais alterações no Código Estadual de Meio Ambiente. As novidades, consideradas pelos movimentos ambientalistas como demasiada flexibilização da Lei, não tiveram uma adequada construção com a sociedade civil e representaram mais um ato de ataque ao Sistema Estadual de Proteção Ambiental (SISEPRA, Lei 10.330/1994). Além disso, abriu-se caminho para iniciativas como os PLs 204 e 218 de 2023, que, em sendo aprovados pela mesma base de apoio que o governo dispõe, seriam mais um passo na contramão das necessidades da sociedade gaúcha frente às mudanças climáticas.
A visão de Estado empregada pelo governo Eduardo e Gabriel é a continuidade daquelas capitaneadas pelos governos Sartori e Leite: um estado mínimo, que não valoriza seus quadros e que não tem capacidade de promover o bem comum da sociedade. Se não, vejamos: os trabalhadores padecem de condições estruturais e de reajustes salariais em todas as categorias do Estado; trabalhadores e trabalhadoras da FEPAM, fundação que atua na execução da política ambiental, estão sobrecarregados frente à falta de recursos humanos – realidade que não será mudada mesmo com o concurso público recente; o Zoneamento Ecológico-Econômico, instrumento de planejamento previsto em lei nas políticas nacional e estadual de meio ambiente, entregue ao Estado em 2019, carece até hoje de implementação.
Soma-se a isso a situação do Sistema Estadual de Recursos Hídricos (SERH). Estabelecido pela Lei 10.350/1994, a qual instituiu objetivos, forma de funcionamento e ferramentas do sistema, ainda hoje, décadas após sua promulgação, não foi plenamente posto em prática. Instrumentos como a cobrança pelo uso da água – a qual se refere ao valor pago pelos grandes captadores de água – e as Agências de Região Hidrográfica nunca foram efetivados. Os Comitês de Bacia, conforme seus próprios relatos, definham e se mantém como podem devido à falta de aporte de recursos para sua manutenção e funcionamento. Os Planos de Bacia, para aquelas bacias hidrográficas em que os mesmos foram finalizados, também carecem de ter suas ações colocadas em prática.
O governo Eduardo Leite, se quiser achar uma saída que resguarde a população gaúcha e a torne menos vulnerável aos eventos climáticos que temos acompanhado, deve mudar diametralmente sua forma de agir – e não apenas utilizar uma roupagem verde. Adotar uma política que fortaleça o Estado, ouvindo e acolhendo as demandas da sociedade civil para de fato entender a gravidade do tema e saber como abordá-lo, disponibilizar recursos e orçamento, investindo em estrutura e pessoal nos quadros de Estado, e operar as ferramentas que a legislação disponibiliza para a gestão pública representam algumas das ações que um governante deve lançar mão caso esteja realmente comprometido com o êxito nesse trabalho. O bem-estar de todos depende disso – e a sociedade gaúcha clama por um governo que governe!