O “privilégio” das cláusulas sociais para as mulheres nas negociações coletivas

Por Imprensa SEMAPI

 

*Por Barbara Amorim, Cecília Bernardi, Elisia Rodrigues, Gê Coimbra, Luciana de Oliveira, Mara Feltes, Rafaela Sais, Rossana Ramos, Rosangela Goulart, Stella Luz e Viviane Fischer, diretoras colegiadas do SEMAPI

A sobrecarga de trabalho das mulheres, seja na forma de carga física ou mental envolvida nos cuidados com a manutenção da vida de outras pessoas (crianças, idosos e trabalho doméstico para outros), tem sido tema de muitas produções acadêmicas e orientado lutas dos movimentos feministas e sindicais. Muitas conquistas aconteceram, provocando conscientização da sociedade e servindo de base para a criação de políticas públicas que oportunizam às mulheres condições de igualdade na sociedade. Mesmo que esta relação tenha melhorado, ainda temos uma condição bastante desigual também no mundo do trabalho – até porque a vida não se separa. O tempo que as mulheres dedicam aos cuidados com a manutenção da vida de outras pessoas é, ainda, quase o dobro do dedicado pelos homens, segundo dados do IBGE: elas passam, em média, 21,3 horas semanais nessas atividades, contra 11,7 horas semanais deles.

Além deste fator, oriundo da vida privada, as mulheres no mundo do trabalho recebem os menores salários.  Em pesquisa recente sob dados de 2022, o DIEESE constatou que “o rendimento médio real mensal das mulheres ocupadas era 21% menor do que dos homens”. Para mulheres negras, as desigualdades no mundo do trabalho aumentam. Outra pesquisa do DIEESE aponta que elas têm mais perdas em comparação com os demais – sejam homens negros e não negros – e ganham 38,4% menos que as mulheres não negras.

Como diretoras do Sindicato, função que nos permite participar de muitas mesas de negociação, vivenciamos nesses momentos a importância da previsão de cláusulas sociais nos Acordos Coletivos de Trabalho (ACTs) e nas Convenções Coletivas para enfrentar as desigualdades entre homens e mulheres nesses ambientes. Estas cláusulas, em grande medida, têm baixo ou nenhum impacto financeiro para empresas e governos; em sua maioria, são de aspecto organizacional, mas possibilitam que as mulheres possam ter as mesmas oportunidades que os homens.

Dar visibilidade a estes aspectos das negociações coletivas é fundamental, pois, apesar de avanços em legislações, tratados e convenções internacionais que visam à criação de camadas protetivas às mulheres trabalhadoras, na prática isso precisa se concretizar por meio melhorias efetivas que modifiquem padrões socioculturais e que permitam alcançarmos em níveis de igualdade de oportunidades e condições para o trabalho de ambos os sexos.

A partir da Reforma Trabalhista e do ideário de que a busca de igualdade via direitos sociais, traduzidos em cláusulas, é tratado como “privilégios”, o debate nas mesas de negociações tem sido frequentemente interditado, com negativa de discutir e aperfeiçoar as cláusulas ou de sequer considerar a pauta social apresentada pelo Sindicato. No Estado, nos últimos anos, o governo Leite – com sua ótica neoliberal – vem impondo ataques, desrespeito e tentativa de retrocessos a cláusulas sociais históricas conquistadas pela luta das mulheres, como a tentativa de redução da licença maternidade na EMATER/RS-ASCAR em 2019, com justificativas pífias de necessidade de serviço, e a retirada do vale alimentação quando a mulher entra em licença-maternidade, deixando a impressão de que a mulher deve ser punida por ser mãe.

Na EPTC, e com aval da prefeitura de Porto Alegre, já houve várias negativas em debater cláusulas sociais, ao passo que, no setor privado, a situação ainda é escandalosamente pior, haja vista que sequer é possível pautar esse debate e ampliar as poucas garantias às mulheres por meio de cláusulas sociais.

É preciso reforçar que é dever do Estado, em todas suas esferas, criar condições para eliminar a discriminação contra a mulher, assegurando igualdade perante os homens. Isso se dá por meio de medidas que permitam diminuir a sobrecarga de trabalho e de sustentação da vida com consequências práticas que garantam a manutenção, em condições qualificadas e decentes, de sua permanência e atuação nos ambientes de trabalho.

Para os sindicatos, é cada vez mais urgente ampliar a oportunidade de preparar seus e suas dirigentes e assessores para não só propor novas cláusulas nas mesas de negociações, como também ampliarem a quantidade de negociadoras mulheres, que possam defendê-las nas mesas de negociação. Estas provocações não devem ser feitas apenas no mês de março; são e serão necessárias até que possamos avançar num mundo do trabalho mais justo e igualitário para as mulheres.