O trabalhador, o neoliberalismo privatista e a mobilidade

Por Imprensa SEMAPI

Por José Carlos Moraes, diretor colegiado do SEMAPI

Em tempos quando o óbvio deve ser explicado, nada mais natural do que ressaltar a importância da mobilidade urbana e o impacto da privatização do setor na vida do trabalhador(a) porto-alegrense. A cidade que já foi referência no campo da mobilidade urbana, tendo a Companhia Carris como a melhor empresa de transporte público do país, sofre com o descaso, omissão e miopia social de seus gestores.

Há cerca de 20 anos, a cidade vem sendo gerida por grupos políticos que veem todas as dinâmicas de relações sociais pautadas por mercado e iniciativa privada – de forma que as liberdades de negócio seriam o caminho natural (e ideal) para o desenvolvimento equânime da sociedade. A partir desse velho discurso ideológico, conhecido há anos por nós trabalhadoras(es), Porto Alegre foi perdendo a capacidade de lidar com os seus problemas, transferindo-os para o setor privado. O caso mais notório dessa política privatista e de entrega das responsabilidades públicas para o privado foi a venda da Carris, importante instituição pública municipal que opera os maiores volumes de passageiros diários da capital. Sua venda ocorreu de maneira melancólica para uma empresa de transporte que opera na cidade de Viamão.

Conforme a Constituição Federal, transporte público é um direito social; nesse sentido, o Estado deve garantir ao cidadão, assim como na educação e na saúde, acesso e atendimento irrestrito dos serviços de transporte público a toda população. O município de Porto Alegre, ao transferir a Carris para a inciativa privada, aplica uma lógica mercadológica a um direito social que tende a excluir boa parte dos seus cidadãos, inclusive trabalhadoras e trabalhadores, uma vez que a oferta do serviço está fundamentada na capacidade de maximização dos lucros empresariais, como a diminuição de pessoal, a fim de “racionalizar” a operação do sistema (redução dos “custos”); a retirada sistemática de direitos conquistados pelos usuários do transporte – a segunda passagem, restrição do estudantes ao acesso do vale escolar, redução da faixa de isenção de usuários idosos; e a lógica de aumento da tarifa, que tem impacto na renda mensal do trabalhador. O que é necessário compreender nessa dinâmica de privatização do transporte público coletivo é que todos esses custos sociais têm como interesse principal, não a melhora da prestação do serviço, mas a rentabilidade do “negócio”.

Nesse sentido, uma política de privatização (ou, como a gestão municipal prefere utilizar, “concessão”) do serviço público de transporte coletivo é uma escolha pela exclusão, segregação e restrição da capacidade de mobilidade da maioria da população porto-alegrense periférica, estudantil, idosa e, no geral, da classe trabalhadora humilde que, com sua baixa remuneração, desprende boa parte do seu rendimento mensal para se locomover pela cidade para suas atividades de trabalho, estudos, saúde e lazer.

Uma saída mais democrática seria se constituir um “SUS do transporte público”, em que entes federativos – União, estados e municípios – e representantes da sociedade civil construam, com a ampliação dos espaços decisórios democráticos, as responsabilidades da sustentabilidade financeira dos sistemas de transporte público no país; pero, cabe lembrar à gestão municipal e a seus tecnocratas de plantão que o desenho institucional do Sistema Único de Saúde (SUS), utilizado como base para a proposta, exige mecanismos de controle social, ampla representatividade da sociedade, socialização de informações e transparência. Talvez aí esteja o empecilho da questão pois, como sabemos, conceitos de participação social e diálogo democrático causam “urticária” em certos atores que conduzem a construção de políticas públicas de nossa “mui leal e valorosa” cidade.