Saúde e mental e trabalho

Por Imprensa SEMAPI

Vera Moura – psicóloga do trabalho

 

Não há corpo que resista quando a pessoa é tomada por uma depressão. Não há processos psíquicos resilientes que não fraquejem junto a um corpo que adoece.

Parece fácil definir a doença, mas muito complexo definir saúde mental, pois esta não pode ser reduzida à ausência de doença ou mal-estar. Intimamente ligados à cultura, estes conceitos atualmente apontam para o mal-estar na própria cultura, que, submetida a certos modos de vida, empurra as pessoas para a luta de aquisições materiais no lugar de se ocupar com a construção de sentidos para a existência: ter é mais importante do que ser.

Vivemos como se devêssemos saber o que é sanidade porque somos extremamente competentes para reconhecer a insanidade quando a vemos, diz Adam Phillips.  Se a sanidade fosse um jogo, como aprenderíamos a jogá-lo se as autoridades só pudessem nos dizer quando violássemos as regras, mas não quais seriam elas? Seria o bastante para enlouquecer qualquer um.

O sofrimento psíquico intenso é uma das características de nosso tempo; ao mesmo tempo, as promessas de curas rápidas nunca têm bons resultados. Estar com uma mente confusa pode ser uma vantagem, mas necessita que alguém acompanhe este processo, porque da confusão pode emergir a criação.

Fédida Pierre, em Clínica Psicanalítica, afirma que “hoje em dia, não há razão para recusar a concepção: a ideia de que é preciso falar em psicopatologia somática e não de psicossomática.  Psicossomática reintroduz o problema da influência da psique sobre o somático ou o inverso, sem levar em conta o que comporta o termo ‘psicopatologia’. Existe uma expressão entre os gregos – patei-matos – para designar o que é paixão, o que é padecimento, o que é vivido. Aquilo que pode se tornar experiência. ‘Psicopatologia’ quer dizer um sofrimento que porta em si mesmo a possibilidade de um ensinamento. Como paixão, torna-se uma prova e como tal, sob a condição de que seja ouvida por alguém, traz em si mesma o poder da cura. Isto coloca a posição do terapeuta. Uma paixão não pode ensinar nada; pelo contrário, conduz a mais padecimento se não for ouvida por aquele que está fora e que pode cuidar dela”.

A humilhação sofrida socialmente por aquele que está em sofrimento é a pior coisa que pode acontecer a alguém. Pensar de forma dualista e simplificada, como verdade única e definitiva, é uma postura que vem sendo superada muito lentamente para conquistar o campo da complexidade ao se pensar o sofrimento.

Ouvir as pessoas reconhecendo seu sofrimento ajuda-as a não perder todas as forças, quando o reconhecimento traz envolvido o sujeito que sofre nos encaminhamentos e tratamentos em comum acordo. Muitas vezes, vivemos no engano de acreditar que um estado de felicidade pode ser alcançado e, quando atingido, pode ser mantido para o resto da vida.

Tudo o que fazemos ou deixamos de fazer fará diferença. Mas a pergunta de uma pessoa saudável é: qual a diferença que queremos fazer?

Somos constitutivamente incompletos. A completude é uma ilusão e está fora do campo da humanidade. Dar um sentido e ter prazer no trabalho, segundo Todorov, é mais útil do que multiplicar as horas de lazer. Não há existência humana sem o olhar que trocamos entre nós.